O despertador cumpria a sua tarefa diária de podar meu sonho
bem no auge de sua vivacidade. Todo dia gritava ao meu lado, com ciúmes daquele
sentimento que havia escravizado a minha razão sem possibilidade de carta de
alforria. Eu retornava a realidade com saudade, desejando voltar para as
ilusões que eu havia cultivado.
Assim, eu passei a trazer minhas ilusões para o dia-a-dia,
passava o dia inteiro escrava daquelas fantasias, os sonhos haviam se tornado a
minha rotina.
Disseram-me certa vez que não existe definição para aquele
crime onde o ladrão rouba um coração. Vivia em busca de algum significado e
sempre ouvia a mesma explanação: “Amor rima com dor, não se deixe cegar por esse
esplendor. Vez ou outra solta faísca de felicidade, mas constantemente vai te
fazer sofrer com a não reciprocidade.” Não concordava. O amor não é sinônimo de
sofrimento, disso eu tenho certeza. Amor é doação e quando a gente se doa não
espera retribuição. Ainda assim constantemente lucramos: Ganhamos sorrisos
bobos, sonhos coloridos, um prazer precioso e uma esperança grandiosa que nos
mantém vivos.
Quem cria cicatrizes nesse frágil e encantado órgão
palpitante somos nós mesmos, não o amor. Nos precipitamos, somos impulsivos,
caímos na rotina, esquecemos de regar nosso jardim de amor e deixamos murchar esse
sentimento tão bonito. Dessa forma, das pétalas guardamos apenas as lembranças e
o que nos resta é conviver com os espinhos que nos ferem – tudo culpa da nossa
própria negligência.
A falta ou a presença de reciprocidade pouco importa, porque
quando a gente ama, ama intensamente, ama por dois, e poder cuidar do outro já
é o nosso maior presente – ainda que possamos cuidar apenas no nosso mundinho
da imaginação, o amor nos dá essa possibilidade, sempre podemos viajar para
outra dimensão. Nunca haverá igualdade de sentimentos entre duas pessoas quando
se ama, porque amor não é matemática exata que a gente calcula e divide em duas
metades. Amor é literatura, é poesia, não é pra ser entendido, é para ser
sentido e apreciado.
O amor é mesmo contraditório e o mais piegas de todos os
clichês, ainda assim é almejado e constantemente argumentado mesmo sem possuir
um por que.
- Betina Pilch.
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