Domingo à tarde é um dia
clichê para os amantes. Domingo à tarde, sol, sensação térmica febril,
companhia, sorvete, parque. Não há dia mais clichê para um casal
recém-apaixonado. Ela – garota dos olhos rasos cuja cor escura estremece
qualquer encontro ocular perdido no espaço-tempo; corpo de uma palidez que
chega a ofuscar quando os raios solares incidem sobre sua pele cuja maciez
balança qualquer coração empedernido; seios delicadamente pequenos; anca
avantajada; pernas delicadíssimas. A rapariga com cuja voz doce e delicada. Ele
– garoto dos olhos perdido; pele áspera; rosto de uma brancura que cuja olheira
enxerga-se de longe; pescoço esguio; um corpo magro e delicado, porém atlético;
uma voz surrada e cansada.
Era um domingo de dezembro
quando o casal recém-apaixonado, cheio de promessas, emanando amor por todos os
orifícios do corpo, com juras eternas de amor, arquitetando todos os devaneios
para uma vida longínqua e apaixonada, resolveram, pós-almoço, dar uma volta no
parque da cidade.
O parque ficava localizado a
três quadras do local onde o casal se encontrava. Caminharam silenciosamente.
Todo o percurso fora feito de mãos dadas: como se aquelas mãos tivessem sido
projetas para encaixarem-se perfeitamente. Era uma sensação de bem-estar, tanto
para ela, quanto para ele, estar ligados pela perfeição do encaixe das
anatomias: é como dois planetas errantes caminhando a um buraco negro; não há
volta.
Chegaram ao parque suando.
Ela, com toda delicadeza que uma garota apaixonada, sempre quer estar radiante
ao lado do amado. Sentia-se mal por estar com os cabelos perdidos no espaço e
estar suando desesperadamente por causa do calor que o azul cristal do céu
mandava: apenas algumas nuvens errantes ao céu. Ele percebeu o mal-estar que
emanava dos olhos de Karen e disse, Vamos ao banheiro, nos secamos com o
papel-toalha que lá se encontra. Ela sorriu e caminharam ao banheiro.
Resolveram dar uma volta de
bicicleta. O parque, todo arborizado, lembrava uma floresta: o cantarolar dos
passarinhos, o vento balançando os galhos das árvores, as sombras das árvores.
Pedalaram por alguns minutos, silenciosamente. Ambos eram pessoas quietas. Após
alguns minutos, Karen sentiu-se uma fadiga e disse a Jonas, Amor, vamos parar
naquela sombrinha, não há ninguém, podemos sentar um pouquinho e descansar para
depois voltarmos. Ele apenas fez um gesto de consentimento com a cabeça.
Deixaram as bicicletas ao
chão e à sombra deitaram, lado-a-lado. O lugar estava vazio, apenas o
cantarolar dos passarinhos e o soar do vento. Jonas disse, Karen, a vida nos
surpreende sempre. Ela o interrompeu dizendo, Sim, mas por que estás me dizendo
isso, perguntou. Ele sorriu e disse, Porque eu sou descrente no destino e a
vida me colocou uma pessoa muito especial. Ela sorriu deliciosamente e
permaneceu em um silêncio saudável por alguns instantes e completou, Realmente,
a vida é cheia de surpresas, por mais clichê que isso possa soar, após uma
pausa, continuou, Aqueles que estão dispostos a remar nesse mar desconhecido
que é o futuro, pode se surpreender com simples gestos que passam despercebidos
aos olhos daqueles cuja sensibilidade fora roubada pelo mundo.
Jonas sentiu um calor lhe
preencher o peito: como se uma cancela de sangue tivesse sido aberta
abruptamente. É como se aquelas palavras proferidas docemente lhe colocassem em
um lugar no qual a gravidade não o prende ao espaço físico. Ele sorriu
abestalhado. Abraçou-a e tomou-a em seus braços. Por um instante dois corações
soaram em uníssono. As suas bocas se encontraram e seus corpos estavam elevados
a um estado de serenidade e bem-estar: a lassidão perpétua de um amor recíproco
O cantarolar dos passarinhos complementava a música que pairava sobre as suas
cabeças, a qual ninguém escutava nem mesmo eles, porém eles sabiam que havia
uma música sendo cantada do Universo.
Resolveram, após o encontro
dos lábios macios de Karen e os lábios densos de Jonas, voltar a andar com as
bicicletas emprestadas pelo parque. Andaram mais alguns minutos, o sorriso
desenhado no rosto de ambos quando seus olhos se encontravam por um tênue
momento, mostrava que a felicidade era uma casa pequenina no coração gigante de
dois amantes. Devolveram as bicicletas e resolveram voltar à casa.
No caminho de volta,
resolveram parar numa sorveteria. Karen pediu um sorvete de flocos, Jonas a
acompanhou, porém com um de menta com chocolate. Sentaram-se e começaram a
saborear o sorvete. Mas, aos olhos do público, eles estavam saboreando o amor.
A liberdade que o amor recíproco causa no coração das pessoas. Subitamente,
Jonas pensou que a liberdade deste amar uma hora acabaria: todas as promessas,
todos os planos para uma vida longínqua, apenas acabaria. Seu coração,
subitamente, esmoreceu. Sentiu um mal-estar, mas mesmo assim saboreava
alegremente aquele momento. Pois a ausência é um conjunto de presenças não
sugadas pelo coração; e ele sugava todas as horas que passava ao lado de Karen.
E Karen também aproveitava cada momento ao lado de Jonas.
À porta da casa de Karen,
Karen o envolveu em seus braços. Jonas sentiu o calor dos braços de sua amada.
Por alguns minutos ficaram se entreolhando, a meia-distância. Aquela sensação
de desvendar o que o outro esconde atrás dos olhos, os excitavam. Era um
momento de transe. Jonas a beijou apaixonadamente e Karen retribuiu na mesma
intensidade que o amor permite. Despediram-se.
Jonas caminhou alguns metros
e sentiu um ar gélido lhe correr pela espinha. Olhou para trás e viu que Karen
ainda se encontrava ao portão. Voltou bruscamente e lhe disse, Eu quero
aproveitar cada minuto ao teu lado, quero envolver-te apaixonadamente em meus
braços todas as noites que ainda estão por vir, quero amar-te até mesmo quando
todos os nossos momentos que estamos vivendo acabarem. Ela sorriu e era um
sorriso de consentimento, de mutualismo. Eles se beijaram como se aquele fosse
o último beijo dos amantes.
Domingo à tarde é feito para
os corações apaixonados, nada mais.
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