terça-feira, 6 de agosto de 2013

O cobertor vermelho

Estava em seu quarto, em seu vasto latíbulo. Uma espécie moderna de um casulo volvido por cicatrizes alheias. Era isso. Ela é isso. Protegida por seu cobertor vermelho, nenhuma fresta Solar habitava ali. Busquei enfim questionar aquela situação atual.

- Onde se encontra o brilho que cintilava em seus olhos?
- Conheces o filho do dono da padaria? Ah.. pobre menino. Andava tão desiludido da vida. Entreguei à ele os mais singelos detalhes que haviam por detrás de meus olhos.
- E seu sorriso? Onde se encontra?
- Conheci uma menina que passava por tamanha inquietação. Acredita que ela não encontrava uma razão para se alegrar da existência? Pois bem, entreguei o meu sorriso embrulhado em um largo abraço.
- Eu não consigo perceber seu ânimo, por onde ele caminha?
- Atrás da praça tem uma pequena casinha amarela, conheces? Lá mora uma senhora que procura apenas por uma bifurcação, tentando se livrar da doença que lhe encontrou. Deixei com ela o meu mais autêntico entusiasmo. 
- E sua auto estima?
- Um rapaz no metrô.. ele estava tão cabisbaixo. Após longas conversas, depositei nele toda minha fonte de motivação.

Percebi quando ela fechou os olhos. Aceitei tal ação em silêncio. Acredito que estava saturada de perguntas minhas, e decidiu então aniquilar as mesmas.

- Somos poeiras cósmicas - ela disse por fim - vestígios em decomposição. Corpos celestes que se desvanecem buscando silenciosamente algum afago. Constelações de estrelas isoladas. Percebe? Estamos à  mercê do mundo, e dos outros.

Novamente ela fez daquele cobertor vermelho, sua única segurança. Perdendo-se entre costuras e cicatrizes. Fiquei portanto vislumbrando tal casulo impregnado de estilhaços de outrem. Como uma doação de órgãos ela continha-se em tantos, menos em si. Suas dores delineavam-se em paredes interiores, e lá nenhuma janela existia. Motivada pelo desânimo, lentamente o sono a apagou. Concedendo-me a ação de excarcerar tamanho eco. Resolvi finalmente entregar-lhe a estrela central. Lentamente abri as janelas de seu quarto, esperando que tais frestas Solares iluminassem também sua alma. Ofereci à ela naquele dia o Sol e minha total esperança. Desejando que quando acorda-se pudesse outrossim despertar para a vida. E enxergar naquele Sol tão solitário, uma razão para cintilar novamente. Porque a frequência de estarmos à mercê do mundo e dos outros, não inibe a autoridade individual de gerir nossas constel(ações).

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