terça-feira, 25 de junho de 2013

Lembranças silenciosas


- Vó?! - perguntei abrindo lentamente aquela porta de madeira rústica.
- Pode entrar, meu bem - sua voz suave e baixa vinha da cozinha.

Adentrei a sala, e logo fechei a porta.
Subitamente fui invadida por aquele aroma de café, laranja, e memórias. É assim a fragrância da casa de meus avós. Casa simples, para dois grandes corações. Meu avô não estava. Como de costume, ele jogava dominó com outros senhores na padaria após o almoço.
Caminhei até a cozinha, quando a encontrei. Ela estava secando a louça daquele almoço. Segurava um pano de prato azul turquesa, e guardava delicadamente as últimas peças lavadas no armário. Notei quando retirou uma panela que estava limpa do escorredor, e devolveu gentilmente para a pia. Não compreendi aquela ação.

- Mas essa panela não está limpa? - perguntei quando ela colocou o pano de prato em seu suporte de plástico, e começou a lavar novamente.
- Sim.
- E porque a senhora está lavando-a mais uma vez?
- Seu avô que lavou.. - sua voz era baixa, e não teve complemento.
- Mas, está limpa vó! - indaguei.
- Eu sei, mas ele não lava do jeito que gosto sabe.. Então sempre que ele sai para o dominó, eu lavo novamente as panelas.
- Mas vó.. ele sabe disso?!
- Claro que sim - disse ela em um meio sorriso, enxaguando cuidadosamente aquela panela.
- E o que ele faz a respeito?
- Bom.. ele não faz nada. Ele fica em silêncio - seus olhos se fecharam, e seu sorriso se tornou largo e suave.

Repentinamente percebi seu embarque. Ela não estava mais naquele espaço rodeado de talheres, xícaras e panelas. Havia embarcado em suas memórias, e a concedi aquela viagem. Assim como meu avô, eu silenciei. E me coloquei na ação de observa-la.
Ela lavava aquela panela lentamente, tomada por um sorriso bobo que cintilava a cozinha. E foi naquele momento que notei, era muito mais que um simples panela de arroz. Era a aceitação silenciosa da troca de um amor.

- É assim que vamos vivendo nossa vida, meu bem. É assim que o amarei para sempre - disse-me por fim, desabafando todo o afeto.
- Sim, vó. Alguns silêncios gritam, outros ensurdecem, outros amam e preenchem a eternidade. Meio frio, meio vago, meio mudo, ele fala a todo o momento. Porque afinal, o silêncio é apenas uma partícula que concerne o infinito.

Agora quem estava embarcando em questionamentos era eu, e ela me concedeu aquele embarque. Inspirei o cheiro suave do bolo de laranja junto com os fragmentos de memória, e emudeci minha voz para subitamente exprimir dentro em mim, o eco de minh'alma. 

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